A maioria devolveu por dificuldade de pagar as prestações. Somente no primeiro semestre, mais de 7 mil pessoas procuraram a Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação para pedir ajuda

Por Brunno Melo, da CBN

Uma situação cada vez mais frequente no país que é um retrato do agravamento da crise: a pessoa adquire um imóvel na planta, mas não consegue pagar as prestações. Para muitos, a única solução é desistir do negócio e devolver o imóvel. Segundo estimativas da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação, houve um crescimento de 30% no número de imóveis devolvidos este ano na comparação com o ano passado.

A entidade presta atendimento para auxiliar os compradores nesses casos. Somente no primeiro semestre foram mais sete mil consultas, 25% delas feitas por pessoas que queriam esclarecer dúvidas sobre a rescisão de contratos. Para se ter uma ideia, em 2013, apenas 6% dos atendimentos eram relacionados ao tema.

De acordo com o presidente da Associação, Lúcio Delfino, essa situação é consequência da alta nos juros e da restrição aos financiamentos. ‘A maioria dos casos é de pessoas que não conseguem fazer a quitação da unidade. Estas pessoas tiveram ou problemas financeiros com relação à renda ou então ela está com mais dificuldade de ter acesso ao crédito imobiliário porque os juros dos financiamentos subiram, a análise de crédito está mais rigorosa’, diz.

Esse foi o caso do servidor público André Calvo. Ele que teve que entrar na Justiça para reclamar dos valores que a construtora estava oferecendo na devolução. ‘Comprei o imóvel e depois de dois anos o saldo devedor aumentou demais por causa dos juros, aí não estava dando conta de pagar as prestações e desisti. Só que eles não quiseram me devolver amigavelmente, eles quiseram me cobrar muito. Queriam me devolver só 50% do valor e ainda tinha que ser com um corretor deles que cobrava mais 5% do valor total do imóvel.’

O Instituto de Defesa do Consumidor explica que o comprador tem o direito de receber de volta entre 85% e 90% de tudo aquilo que já pagou. Se a cláusula de rescisão do contrato estabelecer um valor menor, a pessoa deve questionar a construtora.

O presidente do instituto, Geraldo Tardin, afirma que são vários os casos de cláusulas consideradas abusivas. ‘Ontem mesmo nós analisamos um contrato aqui que a cláusula de rescisão por culpa do consumidor era de 10% do valor atualizado do imóvel de mercado. Então como a pessoa havia pagado R$ 70 mil e o imóvel valia R$ 556 mil, prometeram a ele a devolução de somente R$ 14 mil’, afirma.

Por outro lado, as construtoras também reclamam que estão saindo no prejuízo com o aumento no número de devoluções e já estimam que o preço dos imóveis pode aumentar.

Segundo os Sindicatos da Construção, há conflito entre o código de defesa do consumidor e a lei de incorporações. É por isso que os empresários cobram uma legislação específica sobre o tema. O objetivo é separar os casos de pessoas que compraram o imóvel para morar, daqueles que adquiriram o bem apenas para especular no momento de alta.

O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo, José Romeu Ferraz Neto, afirma que se esse impasse não for resolvido, a saúde financeira das empresas e os próprios empreendimentos estão ameaçados.

‘Se há uma restituição destes valores sem ser uma coisa programada, ele pode colocar em risco o próprio empreendimento, a própria saúde financeira das empresas, inclusive. Então precisa haver um equilíbrio e saber separar aquele que está especulando daquele que teve problema’, relata.

O setor também adotou medidas para se resguardar. Uma delas é a que prevê o início da obra somente após um volume maior de vendas de unidades. Em médio prazo a avaliação é de que essa situação poderá levar a uma alta nos preços de imóveis.

Ouça aqui a entrevista.