Como uma das consequências da recessão econômica, aumento dos juros e encolhimento da renda, cresce a intenção do consumidor em devolver o imóvel na planta para a construtora. Para piorar a situação, o Projeto de Lei 774/2015 atinge radicalmente os consumidores. O PL, que ainda precisa passar por instâncias da Câmara para ser aprovado de fato, amplia direitos das construtoras e incorporadoras em caso de rescisões contratuais. O objetivo é garantir segurança jurídica aos contratos de venda e compra de imóveis.

Para o presidente da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), Lúcio Delfino, o PL 774/2015 é um grande retrocesso, que fere diversos princípios do Código de Defesa do Consumidor, e retira direitos dos promitentes compradores. “Dentre as maiores aberrações, está a possibilidade do incorporador devolver a quantia paga pelo consumidor após 12 meses da assinatura do distrato ou rescisão contratual e, ainda, em três parcelas mensais. Além disso, sobre os valores não incidiriam juros, mas somente correção monetária do Índice Nacional da Construção Civil (INCC)”, explica.

No que se refere à multa por rescisão, o especialista avalia que o patamar ultrapassa a razoabilidade, chegando a um quarto (25%) dos valores pagos pelo promitente comprador, sendo que poderá existir pena complementar se o incorporador comprovar prejuízo superior a este percentual. “Ou seja, os 25% são apenas o piso, o mínimo que o incorporador pode receber como multa. Se comprovar mais prejuízos, teria direito a indenização complementar! Por outro lado, não existe nenhuma previsão legal do valor máximo de multa que o pode ser exigido do comprador. Pelo contrário: ele pode até ficar devendo ao incorporador, conforme veremos a seguir.”

Conforme Delfino, outro retrocesso, que inclusive está na pauta de julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), diz respeito aos honorários de corretagem, cujo ônus seria transferido ao comprador desistente, no percentual de 5% do valor da compra e venda. “Esse é o ponto que mais preocupa a ABMH, pois se somarmos o percentual de 25% da multa (calculada sobre os valores pagos), mais 5% da corretagem (calculados sobre o valor da compra e venda), para desfazer o negócio o consumidor pode ficar devendo para o incorporador.”

Para exemplificar, imaginemos um caso em que o promitente comprador se comprometeu em adquirir de um imóvel de R$ 400 mil, tendo oferecido um sinal de R$ 20 mil, mais R$ 80 mil parcelados durante a obra, e o pagamento de R$ 300 mil reais no momento da chaves. “Nessa hipótese, se o comprador desistir da compra após o pagamento do sinal, ele perderia R$ 5 mil a título de multa contratual (25% do valor pago), e R$ 20 mil a título de corretagem (5% do valor da compra e venda), ou seja, ficaria devendo R$ 5 mil ao incorporador. Um verdadeiro absurdo!”, avalia Delfino.

O especialista destacar, ainda, que todas as hipóteses levantadas pelo projeto de lei tratam da possibilidade de desistência da compra ou da rescisão por inadimplemento contratual do comprador. “Todavia, em nenhum momento foi ventilada a possibilidade de desistência da venda ou da rescisão por inadimplemento contratual do vendedor (incorporador). Não seria plausível e justo que as mesmas penalidades fossem imputadas ao vendedor em caso de rescisão contratual por sua culpa? Da forma como está, não vemos qualquer equidade ou vantagem em regulamentar tal legislação, senão para os incorporadores.”

Por fim, seguindo a jurisprudência dominante em nossos tribunais superiores, a ABMH sugere que, se o tema for legislado, o percentual máximo da multa seja de 20%, calculados sobre os valores pagos pelo comprador, sem qualquer possibilidade de complemento. “O respectivo montante seria utilizado para pagamento de todas e quaisquer perdas e danos do incorporador, incluindo despesas com corretagem. Além disso, a recíproca, para o caso de rescisão por culpa do incorporador deve ser a mesma. A devolução deve ser feita de uma só vez, no prazo de no máximo dez dias, contados da data da rescisão contratual, e os valores devem ser corrigidos monetariamente (pelo menos), a partir da data do pagamento de cada parcela.”

De acordo com Lúcio Delfino, a única ressalva de indenização complementar seria para os casos em que o comprador já tivesse a posse do imóvel, quando seria possível ao vendedor descontar, além da multa, os valores devidos a título de tributos, taxas e contribuições incidentes sobre o bem, além de uma taxa de fruição, que não seja maior que 0,5% sobre o valor da compra e venda. “Ainda na hipótese de o comprador estar na posse do bem, seria cabível indenização ao vendedor decorrente de eventuais danos causados ao imóvel e indenização ao comprador pelas benfeitorias úteis e necessárias realizadas na unidade”, analisa.