Muitas pessoas que adquiriram imóvel na planta ainda possuem dúvidas sobre direitos que podem ser questionados contra as construtoras. Para tentar auxiliar na compreensão da situação, criamos a presente cartilha abordando os principais assuntos como atraso na entrega das chaves, juros de obra, e vício construtivo.

1. Prazo para entrega das chaves

Sempre foi praxe das construtoras apresentar um quadro resumo logo no início do contrato com a indicação do prazo previsto para entrega da unidade, conforme figura abaixo:

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Questão já pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça através da Tema Repetitivo 996:

“1.1. Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância;”

Quanto ao prazo de prorrogação de 180 (cento e oitenta) dias, sua legalidade fora referendada pela Lei 13.786/2018.

“Art. 43-A. A entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador.”

2. Multa por atraso na entrega

Se o comprador identificar que a entrega de sua unidade ocorreu após o prazo previsto no quadro resumo acrescido dos 180 (cento e oitenta) dias, poderá então pleitear multa pelo atraso na entrega do imóvel.

Regra geral, os contratos de compra e venda preveem uma multa exclusivamente pelo atraso do comprador e são omissos quanto ao atraso da construtora na entrega da unidade. Em razão disso, o Superior Tribunal de Justiça, através do Tema Repetitivo 971, definiu que:

“No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial.”

Lado outro, havendo previsão expressa de multa, esta poderá então ser cobrada nos termos do contrato, ou revista, para equiparar a multa estipulada contra o comprador.

Ainda conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a cláusula penal tem finalidade indenizatória, nos termos do Tema Repetitivo 970:

“A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes.”

3. Danos materiais por atraso na entrega das chaves

O atraso na entrega das chaves do imóvel gera dano presumido ao comprador no que diz respeito a não fruição do imóvel, ou a privação injusta do uso do bem, medindo-se a indenização na forma de valor locatício, que pode ser calculado em percentual sobre o valor atualizado do contrato ou de mercado.

Contudo, o comprador não poderá pleitear a multa contratual pelo atraso e a não fruição do imóvel ao mesmo tempo, deverá optar por um ou outro, conforme entendimento firmado no Tema Repetitivo 970.

Caberá então a identificação no caso concreto de qual proveito econômico é mais vantajoso ao comprador: multa pelo atraso ou fruição do imóvel (lucros cessantes).

4. Danos morais por atraso na entrega das chaves

O art. 5º, inciso V, da Constituição Federal de 1988, preconiza que a moral é reconhecida como bem jurídico, recebendo dos mais diversos diplomas legais a devida proteção:

Art. 5º (omissis):[…];V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;[…].

O pagamento de indenização é uma forma de compensar os transtornos causados aos compradores, além de compelir a construtora a adotar medidas de modo a evitar a ocorrência de incidentes semelhantes.

Segundo o entendimento do TJMG, ainda que não se comprove prejuízos efetivos em sua esfera moral, a indenização é devida, seja pelo nítido caráter protelatório, seja pelo simples período de atraso, seja pela frustração causada aos que adquiriram o imóvel para fins de residência própria e de sua família.

5. Juros de obra

A aquisição de imóvel através de crédito associativo, ou seja, com financiamento habitacional antes da averbação do Habite-se (na fase de construção) gera obrigação do comprador de pagar ao agente financeiro – banco financiador – uma taxa chamada juros de obra ou taxa de evolução de obra.

Referida taxa é calculada mensalmente pelo banco levando em conta o montante total do financiamento liberado naquele momento ao construtor. Para se chegar ao quanto devido no referido mês, aplica-se o índice de correção monetária e a taxa de juros sobre o saldo devedor liberado, acrescido ainda do seguro obrigatório (MIP e DFI).

Importante destacar que trata-se de uma taxa cuja legalidade é reconhecida pelos nossos tribunais, porém a responsabilidade do comprador vai até a data prevista para entrega das chaves, conforme Tema Repetitivo 996:

“1.3. É ilícito cobrar do adquirente juros de obra, ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.”

Portanto, qualquer pagamento feito a título de juros de obra após o prazo previsto para entrega das chaves deve ser indenizado ao comprador.

6. Caixa hidrossanitária em área privativa

É comum nos depararmos com caixas hidrossanitárias instaladas na área privativa das unidades térreas de alguns condomínios, situação que traz transtornos ao condômino haja vista necessidade de limpeza e manutenção periódica.

Regra geral essas caixas são de uso comum de todo o bloco, em que pese estarem e área privativa de uma unidade específica. Conforme regulamenta a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), notadamente na NBR 8160 de 1.999 (Sistemas prediais de esgoto sanitário – Projeto e execução), cujo objeto é estabelecer exigências e recomendações relativas ao projeto, execução, ensaio e manutenção dos sistemas prediais de esgoto sanitário, para atenderem às exigências mínimas quanto à higiene, segurança e conforto dos usuários, a caixas hidrossanitárias não devem ser instaladas em áreas privativas quando receberem contribuição de despejos de outras unidades. Veja-se:

“4.2.6.2 Caixas e dispositivos de inspeção
(…)Não devem ser colocadas caixas de inspeção ou poços de visita em ambiente pertencentes a uma unidade autônoma, quando os mesmos recebem a contribuição de despejos de outras unidades autônomas.”

Ainda, a mesma NBR 8160 dispõe que as caixas de gordura devem ser instaladas em local de fácil acesso e com boas condições de ventilação:

“4.2.6.1 Caixas de gordura(…)As caixas de gordura devem ser instaladas em locais de fácil acesso e com boas condições de ventilação.”

Conforme entendimento do TJMG, a instalação de caixas hidrossanitárias em área privativa sem prévio conhecimento e ciência do comprador gera dever de indenização:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – CAIXAS HIDROSSANITÁRIAS EM ÁREA PRIVATIVA – DEVER DE INFORMAÇÃO – INOBSERVÂNCIA – DANO MATERIAL CARACTERIZADO – DESVALORIZAÇÃO DO IMÓVEL -APURAÇÃO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA – DANOS MORAIS CONFIGURADOS – QUANTUM INDENIZATÓRIO – FIXAÇÃO.(…)- Incumbe a construtora o dever de informar ao consumidor adquirente sobre a instalação de caixa hidrossanitárias em área privativa constante da unidade alienada, sob pena de suportar a recomposição do valor relativo à desvalorização do imóvel.- A instalação de caixas hidrossanitárias em área privativa gera transtornos que ultrapassam os meros aborrecimentos do cotidiano e enseja indenização por danos morais.(…) (TJMG – Apelação Cível 1.0000.21.121347-5/001, Relator(a): Des.(a) Domingos Coelho , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 25/11/2021, publicação da súmula em 29/11/2021)

Portanto, o proprietário de unidade com área privativa que tiver caixa hidrossanitária em sua unidade pode pedir indenização.

7. Prazo prescricional

De acordo com entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça, o prazo para reclamar indenização por responsabilidade contratual é de 10 (dez) anos.

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.1. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, às ações propostas com base em responsabilidade contratual aplica-se o prazo prescricional de 10 (dez) anos previsto no art. 205 do CC/2002.(…)(AgInt no AREsp n. 2.030.970/PR, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 13/6/2022, DJe de 15/6/2022.)

Para todas as situações citadas neste documento o prazo para pleitear a indenização cabível será de 10 anos, contados a partir da entrega das chaves ao comprador.

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